Não há atalhos

O debate em torno da disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo.

A questão indígena no Brasil

Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra"...

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas...

A luta por cotas na Unesp

Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe...

A Viagem de Dilma Roussef aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador...

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Reestruturação da graduação na UNESP: um golpe no ensino público superior

No último dia 29 de setembro o Pró-Reitor de Graduação da UNESP, o Prof. Laurence Duarte Colvara, participou de um debate promovido pelo Centro de Estudos e Práticas Pedagógicas (CENEPP) [1] da UNESP-Bauru, cujo assunto seria a reestruturação dos créditos dos cursos de graduação da UNESP. Esta medida é embasada nos despachos 218/2015 [2] e 308/2015 [3] da Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UNESP, da qual o Prof. Laurence é o presidente. Nos referidos despachos consta um estudo de 2 anos realizado pela CEPE “para reestudar a definição da carga horária frente à legislação da Unesp sobre o artigo 57 da Lei nº 9394/96, de forma a permitir inovações” [4].

Para tal, a proposta da CEPE consiste diminuir em 50% a carga horária de aulas presenciais, definindo que os créditos das disciplinas deverão ser cumpridos da seguinte maneira: 1 hora em sala de aula para cada hora de estudo/preparação de aula/atividade dirigida etc. Este ponto é expresso no trecho do despacho 218/2015:

[...] o Conselho deliberou, por unanimidade, aprovar o relatório apresentado pela comissão, no que se refere à redefinição de crédito, em que o crédito, agora dito generalizado, passa a computar 30 horas de efetivo trabalho discente e docente, e, para guardar correspondência com o crédito tradicional, 15 horas serão aula, considerando a hora-aula como 1 hora (60 minutos) de atividades didática, teórica e/ou prática, envolvendo professor(es) e estudante(s), com interação seja em formato presencial ou sincronizado.
Passaremos agora, para a análise do que significa os termos acima.

Analisando com mais detalhes

O relatório do despacho 218 destaca:

[...] que o crédito tradicional quantifica exclusivamente o montante de 15 horas-aula, e que a Regulamentação do Artigo 57 da LDB editado pela Unesp em 1998, estabelece que o docente despende, a cada hora-aula uma outra para preparação, avaliação e acompanhamento de alunos. Sem confrontar com a conceituação expressa na mencionada Regulamentação explicita-se agora que a aula pode se constituir de preleção (necessariamente presencial ou sincronizada) e atividades supervisionadas pelo professor [...]

Ficou difícil de entender? Não se preocupe, o próprio documento tem um relatório. Seu ponto V é um glossário, vejamos: 

hora-aula - 1 hora (60 min) de atividade didática envolvendo professor(es) e estudante(s), de forma presencial ou sincronizada.
aula presencial - aula que acontece com estudantes e professor(es) em um único ambiente físico.
aula sincronizada - aula que acontece com estudantes e professor(es) não necessariamente em um único ambiente físico, mas simultâneos.
crédito - unidade de quantificação de efetivo trabalho do docente e do discente.
crédito tradicional - unidade composta por 15 horas-aula.
crédito generalizado - unidade composta por 30 horas de atividades discentes, incluídas aulas, atividades supervisionadas e estudo individual. (Pág. 5)
Note que a descrição de “aula sincronizada” é, na verdade, definição para uma modalidade de Ensino à Distancia (EaD). O documento adverte que foi consultada uma equipe de especialistas nas áreas de: Educação a Distância (EaD); European Credit Transfer System (ECTS); Problem Based Learning (PBL) e etc (Pág. 4).

O documento apresenta também uma citação, na qual define como deveria ser uma aula:

Isso não significa que as cargas horárias totais dos cursos [...] precise ser integralizada exclusivamente em atividades teóricas em sala de aula, nem que estas atividades devam ser realizadas obrigatoriamente em períodos de 60 minutos.
Desse modo, mesmo em uma atividade teórica ("sala de aula"), uma IES [Instituições de Ensino Superior] poderá diversificar e flexibilizar suas atividades acadêmico-pedagógicas, distribuindo as horas de trabalho dos estudantes em aulas presenciais, não presenciais e atividades complementares (seminários, palestras, visitas, estudos dirigidos etc). (Pág. 8)

Para ficar ainda mais visível, o documenta traz na página 8 o seguinte quadro da distribuição dos créditos:

Clique na imagem para visualizar


Precarização do ensino.


O que está por detrás do documento é um projeto de precarização do ensino na UNESP, que diminui o conteúdo teórico das disciplinas, secundarizando as aulas e, para completar o cenário, “resolve” o problema da falta de professores colocando-os para ministrar um maior número de disciplinas.

Com a nova organização da distribuição de créditos, os professores serão obrigados a lecionar uma maior quantidade de disciplinas, devido à redução de 50% da aula presencial, terão que preparar mais aulas para disciplinas diferentes, diminuindo a qualidade do ensino.

Além disso, diminuirá o papel do professor como mediador no processo de ensino-aprendizagem do estudante. Aumentando a preponderância do estudo individual e reduzindo as oportunidades de debate coletivo. Este é um grande ataque ao ensino superior público na UNESP que impulsiona a penetração do ensino a distância sem quaisquer debates, respondendo à falta de docentes sem novas contratações.

CONTRA A REESTRUTURAÇÃO DA GRADUAÇÃO!


Não podemos nos enganar, esta reestruturação esvazia a função social da universidade e atende a critérios econômicos estranhos a sua finalidade de socializar o conhecimento. A reestruturação administrativa ataca a atividade fim da universidade e vai contra o ensino público, gratuito e de qualidade para a população pobre e trabalhadora deste país, que paga seus impostos e a financiam.

Isso justamente num momento em que houve a implantação da política de cotas na UNESP [5], o que tem possibilitado um maior acesso da população ao ensino superior público e gratuito.  Este é um projeto que vem em conjunto com os cortes de projetos de extensão voltados à comunidade, no material e bolsas nos cursinhos populares da UNESP, na expulsão de crianças de 4 e 5 anos dos Centros de Convivência Infantil, na insuficiência das políticas de permanência estudantil, entre outros.

É fundamental notar que este processo se impõe silenciosamente, de forma a evitar o debate. Precisamos de uma forte organização para lutar em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, ligando-nos à demanda geral de uma educação de qualidade para todos, que tenha em vista o atual processo de reestruturação do ensino público ensejado pelo governador Geraldo Alckmin.

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Notas:
[4] - Início do despacho 218/2015 da CEPE.


sábado, 12 de setembro de 2015

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas adiantam-se a outro marco legal que busca manter na linha a “população excedente” da cidade e retroceder na política de demarcação das terras indígenas, que já se anuncia na “Agenda Brasil”. Também aponta para esse novo marco legal a redução da idade de responsabilidade penal. 

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Quando falamos em “golpe”, “golpe de Estado”, temos em mente: 1- a instauração de ditaduras militares, 2 - recesso do congresso, 3 - fim das eleições diretas, 4 - perda de direitos trabalhistas, 5 – crise econômica e 6 - muita repressão pelos militares. Atualmente os três primeiros exemplos acima citados são, inclusive, desnecessários para os três últimos. Aqueles que alardeiam quanto a um “golpe” não veem que já estamos sofrendo um duro golpe escondido sob a defesa da “democracia” para poucos. Ao fim do texto apresentamos um quadro que caracteriza o golpe do qual falamos.

Nos noticiários vemos inúmeros alardes sobre a crise que paira sobre o país: altos preços dos alimentos, demissões em massa, falências de empresas, entre outros. Isto é, vivemos a pior crise econômica dos últimos 20 anos. Os ataques não se apresentam apenas no nível econômico, mas na violência policial, como na chacina de Osasco (SP) e o acirramento dos ataques dos fazendeiros contra os indígena no Mato Grosso do Sul (MS). Todo esse quadro afeta o cotidiano da população. Porém, qual é o pano de fundo desse cenário?

Um momento de crise significa, em suma, que a possibilidade de manter os lucros dos capitalistas está se esgotando ou se estreitando. Nos noticiários não é raro vermos as “taxas de crescimento da economia” e “aumento do PIB” como índices que, sem muita explicação, caso diminuam de um ano para o outro, já tornam o quadro da economia alarmante e justificam a piora da condição de vida dos trabalhadores.

Neste momento os investidores estão repensando como e onde irão investir seu dinheiro tendo o maior retorno possível em lucro. Isto significa que também precisam excluir competidores, diminuindo o número dos ganhadores e redistribuindo entre esses poucos o poder de decisão. Exemplo disto é que os grupos antes beneficiados, no período 2002-2010, estão perdendo espaço de subsídios e investimentos, como a indústria de transformação e as construtoras, porém, setores como o agronegócio continuam beneficiados [1]. A isto chamamos de realinhamento na esfera econômica.

Consequência disto é que os governos dos países são pressionados a reduzir os “custos” para aumentar os lucros. Com “custos” queremos dizer o montante destinado aos salários (remuneração da força de trabalho) e os recursos gastos pelo Estado em políticas sociais como saúde, educação, redistribuição de renda, direitos trabalhistas, previdência etc. Isto, que consiste no aumento da exploração da força de trabalho, é necessário para atrair investimentos e aumentar a competitividade nacional, diminuindo o chamado “custo Brasil”.

Vivemos o fim de um ciclo de expansão econômica, ou seja, de “crescimento”, e entramos num período de reconcentração que exige um novo marco político e legal que crie as condições necessárias para uma transição segura. Esse realinhamento na esfera econômica requer, em países de capitalismo dependente e subordinado, como o Brasil, definir, na esfera política, os operadores desta transição.

No atual cenário político, o “Fla x Flu” entre PT e PSDB que assistimos durante a campanha eleitoral de 2014 e continuou até pouco tempo atrás, com as ameaças de impeachment, que tinha como argumento central a desaprovação das contas da presidenta Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi a exacerbação de uma disputa para ver quem apresenta melhores condições de operar essa transição que já foi desenhada na esfera econômica.

O caso da “Agenda Brasil” (ver quadro abaixo) é elucidativo. A ameaça de impeachment alardeado pela direita e até mesmo por partidos da base do governo Dilma, como o PMDB, foi um instrumento importante para os projetos que preveem uma grande retirada de direitos sociais. Graças a tais ameaças, o atual ministro da fazenda, Joaquim Levy, representante do capital bancário, promoveu uma tensa unidade entre a federação dos bancos (FEBRABAN) com a federação da indústria (FIESP), nesta proposta feita por Renan Calheiros, presidente do Senado e membro do PMDB [2]. Esse chamado “acordão” tende a colocar a esfera política em sintonia com a dinâmica dos interesses e necessidades econômicos. Após isto, toda a base do congresso que estava em prol do impeachment recuou e até mesmo as organizações Globo deram um golpe de timão mudando seu editorial de apoio ao golpe para um chamado à “governabilidade”.

Em nome dessa mesma “governabilidade”, a presidenta Dilma e o Partido dos Trabalhadores (PT) fazem coro a necessidade de encampar estes retrocessos. Cabe perceber que o impeachment era uma saída desgastante, arriscada e desnecessária para reenquadrar as políticas públicas nas necessidades de rápida concentração que o capital tem. Mas, a campanha que girou em torno do impeachment serviu para desviar as atenções e acelerar a imposição do novo marco legal e de políticas públicas. A urgência responde à intenção de evitar resistências e disciplinar as classes trabalhadoras: para elas, tratamento de choque.

A “Operação Lava-Jato”, que serviu para desgastar o governo federal ante o grande público, vem servindo, inadvertidamente, para transferir parte substancial das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL) para novos investidores nacionais e internacionais. Uma das consequências deste novo realinhamento, como vimos com a viagem de Dilma e Levy para os EUA no primeiro semestre [3], foi abandonar boa parte das relações comerciais com países da América Latina e se articular com os interesses do bloco estadunidense, exemplo nítido disto é que a própria “Agenda Brasil” prevê a desarticulação do Mercosul.

Os cortes na educação com o chamado “ajuste fiscal” intensificam o quadro. Com os cortes de verbas, o já falido sistema básico chega ao limite, projetos de melhoria da educação começam a retroceder, com o fechamento de salas e a falta de professores. Também se colocam nesse bojo o corte de verbas para a construção de creches, uma das evidencias de que o maior peso desta crise irá cair sobre as mulheres.

Também a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), a SPM (Secretaria de Política para as Mulheres) e a SPJ (Secretaria de Políticas para a Juventude) estão ameaçadas de acabar [4].

Do lado de baixo do tabuleiro, as classes despossuídas, que têm tudo a perder com essas medidas, precisam ser controladas para a garantia do sucesso do projeto. Os projetos da lei de antiterrorismo, redução da maioridade penal (ver quadro), bem como o fortalecimento das forças armadas nacionais são os dispositivos de controle desta articulação. As recentes chacinas de Osasco e os ataques dos ruralistas contra os indígenas no Mato Grosso do Sul antecipam a tragédia social que se vislumbra para o Brasil.

A reestruturação da classe trabalhadora aumentou a fragmentação entre os setores, pela via da terceirização, agora regulamentada e intensificada pelo projeto de lei 4330 (ver quadro), da dispersão geográfica da produção e da constituição de uma camada de trabalhadores especializados de “alto padrão”.

Nos embates internos do PT, originalmente instrumento de organização da classe trabalhadora e representante do ciclo de lutas dos anos 80, acabou vencendo a tendência que administrou o período de expansão do capital, desarticulando os organismos de classe (sindicatos, movimentos sociais, etc.) e integrando-os ao Estado. O resultado disso foi que a trajetória de lutas dos últimos 20 anos em nosso país não conseguiu instabilizar a dominação burguesa, e tão pouco deixou um legado combativo para o enfrentamento dos ataques aos nossos direitos.

Esse fio interrompido na década de 90 ainda não foi reatado. Tal falta de organicidade tem configurado um obstáculo para as classes trabalhadoras se lançarem na disputa política para defender suas próprias causas, libertando-se das relações de cooptação política a reboque dos interesses e das necessidades das forças que dominam a ordem existente. Tem, até mesmo, inviabilizado uma resposta nacionalmente integrada da classe trabalhadora que faça frente aos ataques diretos do grande capital, entre outros, o representado pela “Agenda Brasil”. Este estado de coisas dificulta a resistência, mesmo numa conjuntura em que afloram greves e mobilizações por todo o território nacional.

Faltam lutas contínuas com força suficiente para contagiar e aglutinar os elementos dispersos nacionalmente em eixos comuns de ação. A extrema fragmentação dos movimentos sociais e da própria classe trabalhadora, junto com o total descrédito em que as organizações do ciclo PT se colocaram, nos alerta para o fato de que o golpe já ocorreu ante a intensificação da exploração da força de trabalho. É preciso reagir imediatamente.


Marco legal do “golpe”
  • O maior ajuste fiscal da história do país que, em termos nominais, reorientou o montante de R$ 70 bilhões antes destinados a áreas essenciais para o pagamento de juros da dívida pública.
  • Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, que dificultam e diminuem a possibilidade de obtenção de seguro desemprego e aposentadoria.
  • Projeto de Lei 4330 (PL), que permite a terceirização da atividade principal da empresa. 
  • Mudança no caráter dos investimentos dos fundos de pensão, liberando aplicação de recursos para especulação financeira.
  • Medida Provisória 680 (MP), o chamado Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite diminuir a jornada de trabalho e o salário em até 30% e muda o pagamento dos abonos salariais do PIS/PASEP.
  • Proposta do fim da união aduaneira com o Mercosul e abertura comercial com os EUA.
  • Proposta de Emenda à Constituição 171 (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
  • Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC) que confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva da aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e revisão das demarcações já homologadas.
  • Projeto de Lei 867 (PL), que impede ao professor falar em política em sala de aula.
  • Projeto de Lei 131 (PL), do senador José Serra (PSDB-SP), que tramita em regime de urgência no senado e visa transferir para multinacionais os lucros com a exploração dos recursos do pré-sal.
  • Projeto de Lei 5807 (PL), que define um novo marco regulatório para o setor de mineração no Brasil abrindo territórios das comunidades tradicionais para a exploração extrativa.
  • Plano “Brasil Pátria Educadora” que destina grande parte dos recursos públicos da educação para instituições privadas.
  • Projeto de Lei 2016 (PL), que caracteriza como terroristas as manifestações políticas equiparando-as ao uso de explosivos nucleares.
  • “Agenda Brasil”
Traduzindo os pontos da “Agenda Brasil”
  • Proteção legal para investimento privado em concessões e privatizações na forma de Parcerias Público Privadas (PPP) através do desmonte das agências que põem limites aos impactos ambientais e sociais, flexibilizando as leis trabalhistas, desregulamentando a atividade extrativa, a proteção ambiental e do patrimônio histórico e retrocedendo na demarcação das terras indígenas, bem como estimulando megaeventos em detrimento do bem público e relativizando os estudos de impactos sociais e ambientais nas obras de infraestrutura. 
  • Busca de equilíbrio fiscal por meio da redução de impostos sobre o patrimônio e aumento de impostos sobre a renda, da desvinculação de receitas orçamentárias em áreas essenciais, privatização de patrimônio público, caracterização do investimento das estatais como gasto público, impossibilidade de ajuste salarial para os servidores públicos.
  • Desmonte da proteção social que acaba com o princípio da gratuidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e realoca os investimentos em educação para o pagamento da dívida pública.
  • Isenção de impostos para as empresas, desoneração delas pela redução da folha de pagamento e acesso a fontes de financiamento público.


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[1] – No período 2002 a 2010, as construtoras e a indústria de transformação, aliadas ao agronegócio e à mineração, conformaram a chamada “frente neodesenvolvimentista”, e receberam amplo crédito de fundos tirados dos trabalhadores via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Todos os setores perderam força pela queda do preço das commodities e pela retração do comércio internacional. A crise obriga a uma diminuição no poder de compra pelo corte das políticas sociais, o que afeta diretamente a indústria de transformação. Testemunhamos hoje um deslizamento nessa “frente”, com uma aproximação do agronegócio ao capital bancário e financeiro. 


[3] –“ A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo” http://coletivocanudos.blogspot.com.br/2015/07/a-viagem-de-dilma-rousseff-e-os-novos.html 

[4] –“ Acabar com a Seppir não reduz gastos e é retrocesso no combate ao racismo” http://www.geledes.org.br/acabar-com-a-seppir-nao-reduz-gastos-e-e-retrocesso-no-combate-ao-racismo/#gs.8a2303f3e3a4454aa7a518acee8316af 

domingo, 23 de agosto de 2015

A luta por cotas na Unesp


Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe, é cotidiano e não acontece somente nos Estados Unidos e África do Sul. Cabe lembrar que isto não é um caso novo, só para citar exemplos em 2012 houve a pichação “Sem cotas para os animais da África” no campus de Araraquara e também “Thaís negra macaca fedida”, contra militante negra do campus de Presidente Prudente.

Fica evidente que isto é uma resposta ao aumento da população negra dentro das universidades, advindas do programa de cotas adotado na UNESP a partir de 2013. O que não é dito é o motivo pela qual essa é a única das três universidades paulistas que adotou o programa. Geralmente se diz “A UNESP adotou a política de cotas”. Isto soa quase como uma benevolência da instituição, que gentilmente cedeu este avanço.

Neste texto queremos resgatar a história da luta pelas cotas na UNESP no ano de 2013, para demonstrar que foi a muito custo que foi arrancada essa conquista e que ali e muito antes, já se demonstrava o racismo que permeava a recusa deste programa, seja por parte da comunidade acadêmica ou da administração dessa universidade.

Lutas por cotas

A luta por cotas raciais e sociais nas universidades data dos anos 90, com o ascenso dos movimentos negros no Brasil colocando a pauta racial e a necessidade de políticas de ação afirmativa (reparação histórica) da condição social do negro em nossa sociedade. Com muita luta a UNB foi a primeira universidade do Brasil a ter uma política de cotas raciais a partir do ano de 2004, porém foi só no ano de 2012 que foi aprovada a lei de cotas raciais e sociais para as universidades federais brasileiras e reafirmada pelo STF. Mesmo após a lei, muita resistência foi encontrada na sua implantação.

Foi dentro deste contexto que começou a ganhar força a pauta de cotas raciais e sociais nas universidades estaduais paulistas. Por exemplo, em novembro de 2012, militantes negros ocuparam a reitoria da UNESP num ato de protesto para a implantação da política de cotas na universidade [1].

O golpe do PIMESP

Sob a pressão das lutas por cotas, o governo do estado de São Paulo, na figura do governador Geraldo Alckmin (PSDB), propôs o Programa de Inclusão por Mérito do Estado de São Paulo (PIMESP). Este foi o maior golpe às lutas do movimento negro pelas cotas. Explicaremos por quê.

Tal programa, escrito por Carlos Vogt então diretor da UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), propunha que o estudante que ingressasse por meio de cotas na UNESP iria cursar dois anos de um “curso preparatório”, para, após isto, se aprovado com nota sete, o estudante pudesse enfim adentrar em algum curso de graduação de alguma das três estaduais paulistas ou da FATEC. O projeto era inspirado nos colleges estadunidenses.

O dito “curso preparatório” consistia em um curso semipresencial que possuía em seu projeto disciplinas como “Gestão de Tempo”, “Matemática Financeira”, “Liderança e Trabalho de Equipe”, entre outros. Junto a isto, após terminar o curso de dois anos, o estudante receberia um diploma de ensino superior. As problemáticas de tal proposta eram enormes. Em primeiro lugar, esse curso preparatório consistia numa grade curricular que pouco e nada tinha relação com o curso para o qual o candidato pretendia se matricular. Apenas era um curso de caráter profissionalizante obrigatório. Fica nas entrelinhas a intenção de desviar o aluno do seu projeto inicial de formação acadêmica para tentá-lo a se transformar em força de trabalho com qualificação técnica para o mercado. Os argumentos esgrimidos sobre a necessidade de “nivelar” a formação com que os cotistas chegariam à universidade e reparar um possível ensino defasado do estudante não guardavam correspondência com a grade curricular.

Sob as mais diversas condições, tal projeto além de aumentar os anos necessários de formação destes estudantes, demonstrava ser mais um projeto de precarização do ensino e exclusão do ensino superior da população negra e pobre de nosso país. Para uma população já subalternizada de todas as oportunidades e condições sociais o governo do estado de São Paulo e os gestores das universidades estaduais colocavam uma exigência de “Mérito”. (Como se os cotistas merecessem menos que os que tiveram oportunidades durante sua formação fundamental e média.). A intenção era a de não romper o elitismo das universidades públicas, pagas à custa dos trabalhadores deste país, formar uma mão-de-obra barata, aumentar o tempo de formação do estudante cotista, assim criar barreiras que inviabilizariam uma política de cotas efetiva. Os reitores das universidades paulistas já demonstravam seu apoio ao projeto [2].

Os movimentos negros e estudantis imediatamente começaram a denunciar o golpe gestado pelo governo, iniciando um período de lutas em diversos âmbitos. Porém, em pouco tempo a UNESP se mostrou o polo desta luta e a única que conseguiu levar tal mobilização para a vitória.

Luta na UNESP em 2013.

A luta na UNESP adquiriu outros contornos com o seu desenvolver. Sendo ela a menos elitizada das três estaduais paulistas [3] e também com menos condições de permanência estudantil [4], estouram as lutas na UNESP com a greve das unidades de Ourinhos, Assis e Marília.

Ressaltamos um ponto importante, Ourinhos, a primeira unidade a declarar greve estudantil naquele momento, é uma unidade do projeto da UNESP chamado de “Unidades Experimentais”. Este projeto prevê que a UNESP seja responsável pelo custeio do corpo docente, enquanto os municípios seriam responsáveis por todo o restante. O resultado é desastroso: surgem universidades sem quaisquer condições de exercer as atividades, não possuindo espaço próprio, bibliotecas, restaurantes universitários e outros. Um claro projeto de universidade que só aceita aqueles que têm condições de, além de passar pelo filtro do vestibular, poder pagar para estudar em outra cidade.

Deste modo, com quatro eixos de pautas se inicia uma das maiores greves da UNESP, tendo no setor dos estudantes a ponta de lança de um movimento estadual, sendo elas: -Cotas Sim! Pimesp Não!; -Permanência Estudantil; -Democracia na Universidade; -Não à repressão aos movimentos sociais. Em pouco tempo a greve conseguiu agregar o setor dos servidores não docentes e servidores docentes, exigindo equiparação salarial e em total apoio e luta pelas pautas do movimento estudantil.

Em seu ápice, o movimento atingiu 12 unidades com greve estudantil, 11 unidades com greve de servidores técnico-administrativos e seis unidades com greve de servidores docentes. Manifestações massificadas, com cortes de rodovia, aulas públicas, entre outras iniciativas, colocaram em questão o fato da UNESP ser uma universidade branca e elitista. Muitos estudantes, até então fora das lutas, acabaram por realizar suas primeiras experiências e transformaram sua concepção de mundo nesta mobilização.

Em julho do mesmo ano o movimento estudantil, perante a intransigência da reitoria em negociar suas pautas, ocupou o prédio da reitoria da UNESP em São Paulo. Desta ocupação o movimento saiu com uma pauta de negociação em que garantia a implantação da política de cotas, bem como outras pautas como bolsas-auxílio e a criação de uma Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE), composta por estudantes, servidores docentes e técnico-administrativos de maneira paritária.

Em total foram mais de três meses em greve, e ocupações de direções, de campi universitários em diversas unidades do interior de São Paulo e, em agosto, a reunião do Conselho Universitário da UNESP veio a ratificar a implantação das cotas na universidade. Tal implantação se deu não pelo projeto defendido pelo movimento estudantil, que queria garantir maior proporção para as cotas raciais, aderindo à proposta da Frente Pró-Cotas do Estado de São Paulo [5], porém, ainda assim o resultado caracterizou um avanço que enfrentava forte resistência da instituição.

O mito do “racismo cordial” universitário

As atuais ações racistas perpetradas na universidade estão longe de serem casos isolados ou ações pontuais. Vivemos em uma universidade extremamente racista, que exclui e subalterniza a população negra. Tal relação é um projeto intrínseco à própria UNESP, não é pouco lembrar que nosso patrono, Júlio de Mesquita Filho, advindo da família dos criadores do jornal O Estado de São Paulo, fala em um de seus discursos:

"Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não podemos dar direito de voto a determinadas regiões, porque o organismo brasileiro é meio teratológico, cresceu de um lado e não se desenvolveu de outro [...] Ocorreu na sociedade brasileira um problema seríssimo, foi incorporada à cidadania a massa impura e formidável de dois milhões de negros, que fizeram baixar o nível da nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada" [6].
Como um “problema de origem”, as universidades públicas brasileiras tiveram forte papel na subalternização de populações e na perpetuação do racismo em nossa sociedade. De alguma maneira, a universidade leva a matriz de pensamento marcado por intelectuais como Raymundo Nina Rodrigues, um dos que constituiu o racismo científico à brasileira.

Um Balanço do Movimento

O movimento desencadeado na UNESP foi um importante avanço na pauta das classes trabalhadores e negras do Brasil. Porém, é preciso fazer um balanço para as lutas que virão. Esta foi a primeira experiência da grande maioria dos que se dispuseram a levar tal mobilização adiante. Os debates eram ainda escassos e a falta de experiência fez com que nos precipitássemos em alguns momentos. 

No movimento, a atuação de militantes negros, mesmo que poucos, dada a constituição da universidade pública naquele momento, bem como o contato com movimentos fora da universidade – por exemplo, a Frente Pró-Cotas do estado de São Paulo - foram fundamentais para pautar a particularidade da demanda étnico-racial e orientar a mobilização. Contudo, foi a ação unificada que conseguiu fazer uma forte crítica ao elitismo e ao racismo universitário e desencadear tal luta.

A estratégia da Frente Pró-cotas, contudo, consistia em um projeto de lei de iniciativa popular a ser apresentado na ALESP, com coleta de assinaturas. O movimento estudantil aderiu a tal campanha e coletou assinaturas, porém a luta institucional já se mostrava infértil. O projeto de lei não avançou e o legislativo não demonstrou qualquer empatia para com a proposta.

Hoje a UNESP, devido a suas greves, ocupações, mobilização, é a única com cotas raciais e sociais, sendo que a USP oferece migalhas de vagas para serem disputadas no ENEM e ainda a UNICAMP está na luta por implantar cotas em sua universidade.

Apesar da importante conquista, o movimento ficou com uma ponta sem nó. Já sabíamos que as cotas não poderiam se concretizar caso não se ampliassem as políticas de permanência estudantil, já escassas naquele momento. Dito e feito, no ano de 2014 diversos estudantes foram expulsos das moradias estudantis e seu acesso foi cada vez mais restrito. A proporção de negros na universidade é visivelmente maior, porém muitos chegam na universidade e retornam para suas cidades no instante seguinte, sem condições de permanecer, e muitos que dependiam destas políticas anteriormente estão perdendo seu acesso. Sem políticas de permanência, as cotas não garantem o acesso real dos cotistas à universidade.

O movimento também não foi capaz de avançar deste primeiro estágio de articulação “espontânea” para um movimento organizado. No ano de 2014 foram cometidos muitos erros e a mobilização foi derrotada para os estudantes. A ação organizada é uma necessidade que poucos questionam, enquanto anteriormente o autonomismo – ou o movimento que girava em torno de si mesmo – era ovacionado. 

Mostra-se, de fato, que a luta por superar contradições de classe e étnico-raciais são inseparáveis e que somente a união dos subalternizados através da luta massificada podem arrancar as demandas para a população negra, pobre, trabalhadora, das mulheres e LGBT+’s.

Para além disto, o movimento estudantil deve se entender no contexto geral da luta dos subalternos de nosso país e abandonar, de uma vez por todas, seu clássico corporativismo. O caráter branco e elitista da universidade volta a se colocar com os cortes gerais na educação, de restrição no uso das creches, de projetos de extensão, desmonte dos cursinhos universitários, e precisamos, com uma luta orgânica e organizada, enfrentar estes ataques.

A conquista das cotas já demonstra seus efeitos, porém precisamos avançar na luta por criar condições para que esta política seja efetiva. Precisamos nos debruçar sobre experiências como esta de 2013 e construir uma nova mobilização.

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[1] - http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,militantes-do-movimento-negro-ocupam-reitoria-da-unesp,959812
[2] – Debate entre reitores da USP, UNESP e UNICAMP sobre o PIMESP: https://www.youtube.com/watch?v=UOtWtT6TbUg
[3] – só como parâmetro, a matrícula para o vestibular de 2012: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,unesp-e-unicamp-incluem-mais-rede-publica-que-usp-imp-,862307
[4] – Chamamos de permanência estudantil as políticas voltadas para a permanência de estudantes socioeconomicamente carentes na universidade como moradias estudantis, restaurantes universidades, bolsas-auxílio, entre outros.
[5] – http://frenteprocotasraciaissp.blogspot.com.br/2013/07/coleta-de-assinaturas-projeto-de-cotas.html
[6] – fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12887

domingo, 5 de julho de 2015

A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

Encontro de Dilma com Obama ocorrido na última semana

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador. 

Houve um resfriamento das relações Brasil-EUA, cujo argumento foi a espionagem estadunidense ao Brasil denunciada pelo Wikileaks, e que serviu para justificar a intensificação da integração do Brasil na articulação conhecida como BRICS (Brasil-Russia-Índia-China-África do Sul). Esse alinhamento era apresentado como uma iniciativa de independência com relação ao imperialismo norte-americano. Com a atual reaproximação com os EUA demonstra-se que o projeto de substituir o modelo estadunidense por um modelo de desenvolvimento nacional é uma falácia.

O realinhamento está sendo forçado por uma nova onda de concentração do capital, frente ao qual o BRICS é chaveirinho de criança.  A onda da qual falamos visa a concentração do poder de concorrência de empresas norte-americanas e europeias, desarticulando os BRICS. No caso brasileiro, é essa tendência que está levando adiante a “Operação Lava Jato”, que vem paralisando as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos dos governos do PT. As obras do PAC serão retomadas porque são necessárias à expansão dos negócios, mas estes responderão a setores externos mais concentrados. E a viagem da presidenta aos EUA se dá nesse marco. 

Na reunião com banqueiros e empresários a presidenta sinalizou a disposição para que o Brasil tenha uma “economia mais aberta e competitiva”. Aponta, assim, para um abertura que foi derrotada em 2005 quando a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) foi rejeitada. 

Ao mesmo tempo, as deliberações no congresso a propósito da redução da maioridade penal também se articulam com essa tendência. Visam criar um marco legal para aumentar o componente repressivo e diminuir as políticas “sociais”, posição quase que unânime em todo congresso. Mesmo políticos contrários à redução da maioridade penal faziam, em sua maioria, falas que apontam para a necessidade de um ataque maior à juventude negra e pobre via modificação do ECA (Estatuto da criança e do adolescente). O componente repressivo é necessário para esse novo alinhamento. 

Esses movimentos do executivo e do legislativo brasileiros estão fazendo o papel da transição. Após vários anos de polarização entre o PT e o PSDB, quem parece ter capacidade de representar o novo alinhamento econômico na esfera política é o PMDB. A sinalização de Eduardo Cunha, antes de ontem, de que o PMDB deve sair do governo pode ser a que marque o próximo período da luta institucional. 

Vemos hoje que a estratégia da via parlamentar do PT e do PSOL desarticularam os movimentos organizados e, com essa ofensiva conservadora, nos vemos inaptos a confrontar os ataques contra a população trabalhadora. Só a ação organizada dos setores da população que mais os sofre pode fazer o enfrentamento necessário a esses ataques e superar as ilusões institucionais que têm mantido como refém as organizações do ciclo anterior da luta de classes. 

As greves e movimentos de resistência multiplicam-se. Mas ainda não encontram bastiões sólidos que sejam referência unificadora e ajudem a articular e superar o momento “espontâneo”, localizado ou setorial, cuja energia se esvai momentaneamente. Os povos indígenas têm sido os que mais têm crescido em organização, e também os mais brutalmente golpeados. Novas lutas virão, precisamos ser mais e mais organizados.

Dilma se encontrando com Kissinger
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[1] - Assessor para assuntos de segurança nacional (de 1968 a 1973) do presidente Nixon e secretário de estado (de 1973 a 1977) do mesmo e do seu sucessor, o presidente Ford. Operador da política externa de EUA, tem sido acusado de campanha secreta de bombardeios contra civis em Cambodja a partir de 1969,  assassinatos em Bangladesh, conspiração contra o presidente de Chipre, aprovação do genocídio de Suharto em Timor Leste, sequestro e assassinato de um periodista em Washington, articulador do golpe de Estado contra Salvador Allende em Chile. 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Casamento igualitário nos EUA: não temos muito a comemorar



No último dia 26, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu pela legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isso se tornou um fato internacional, visto que os EUA é a maior potência (imperialista) da atualidade, assim suas ações reverberam pelos quatro cantos do mundo. O novo marco legal pode ser uma sinalização de um mundo em que a população LGBT+ possa viver com os mesmos direitos que a heterossexual, bem como o reconhecimento desse tipo de relação por parte do Estado, isto é, gostando ou não, a população deste país deverá aceitar estas relações.

Diante deste fenômeno, o Facebook, na figura de seu criador Mark Zuckenberg, criou uma campanha em comemoração ao fato, na qual os usuários da rede podem colocar um arco-íris em sua imagem de perfil. A adesão a tal campanha no Brasil é notável. Porém, infelizmente, não temos muito a comemorar.

Compreende-se a massiva adesão a tal campanha no Brasil, uma vez que vivemos em um país em que o fundamentalismo religioso tornou-se corrente política organizada, que vem paulatinamente ganhando hegemonia para ditar sobre tais temas, com deputados, senadores e outros. No congresso estes debates estão bem longe de ser realizados e mais ainda: os projetos aprovados e discutidos atualmente vão na contramão destes avanços. Isto, contudo, é expressão de uma força presente na sociedade brasileira, que transforma o debate do casamento para a população LGBT+, bem como legalização do aborto, em tabu.

Tornou-se um ato de resistência e de confronto e mesmo um suspiro de alívio aderir à campanha do Facebook em comemoração ao ocorrido nos Estado Unidos. Expressa, então, um sentimento de esperança para uma sociedade igualitária que respeite as diferenças ou que tenha as diferenças como critério da igualdade. Mesmo setores da igreja, que supostamente estariam dentro do grupo do fundamentalismo religioso, demonstraram também que concordam com os direitos LGBT+, aderindo a tal campanha.

Mas hoje, no Brasil, tal comemoração deve ser cautelosa. Vivemos no país recordista mundial em morte de travestis e transexuais[1]. Os dados não ofuscam a realidade: a cada 28 horas, um LGBT+ é morto[2]; a cada 4 minutos, uma mulher é estuprada[3]. O que queremos dizer aqui é que não basta deixar que os avanços se realizem. Falácia é acreditar que “estamos melhorando” e que a humanidade e a igualdade virão a reinar, como uma tendência natural da história de forma progressiva e linear.
Um exemplo disto é quanto à inserção do da questão de gênero no ensino público. Em 2012, no Plano Nacional de Educação (PNE), foi aprovado um inciso que incluía o ensino visando a “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Tal inclusão foi motivo de grande comemoração, já que indicava um avanço na igualdade de gênero neste país. Porém, no ano de 2014, uma ação organizada da bancada conservadora do congresso retirou esse ponto do PNE e, no presente ano de 2015, as câmaras municipais de diversas cidades (ex: Campinas, Araraquara, São Carlos, Bauru etc.) também seguiram na mesma direção. Diante de uma ofensiva organizada, os movimentos LGBT+, feministas e classistas foram pegos desprevenidos, viram-se impotentes em impedir tal retrocesso.

Fazendo um resgate histórico, pode-se facilmente vincular o recente veto à estratégia do PT nos últimos 20 anos. Nos anos 80, o PT, que fora ponto de aglutinação de lutas dos diversos setores da sociedade, seguiu uma estratégia de conquistar posições no Estado para garantir aquelas pautas. Entre negociatas, acordos e retrocessos no seu programa, como a retirada do termo “socialismo” em 1995, o PT galga a presidência da república no ano de 2003, tendo um ex-operário na presidência e um grande empresário na vice-presidência. 

Dessa forma, a conquista feita no PNE e seu posterior retrocesso demonstram que trocando a lógica da organização de base, das lutas, das manifestações, das greves e das ocupações pelos acordos de gabinete e votos – ou seja, trocando sua base de mobilização por uma base eleitoral – o PT levou esses movimentos à desorganização, a partir de uma concepção estratégica do abandono das bases, enaltecendo, portanto, a via parlamentar com a intenção de apaziguar os conflitos pela via “pacífica” da conquista de posições no Estado burguês. Por isso, é fenômeno histórico, e ainda presente, que muitos movimentos sociais deslocam forças para alcançar cadeiras, como se a representatividade (por exemplo, uma bancada LGBT no congresso) fosse saída plausível. Assim, mesmo que o inciso, que continha o ensino de gênero nas escolas, não fosse retirado do PNE, haveria ainda muito a avançar na aplicação de tal projeto, assim como se dá com a lei 10.639, que inclui o ensino de história e cultura africana na escola pública, que, porém, tem aplicação quase nula.

Cabe mencionar, que por mais necessários que sejam estes avanços, como ensino de gênero e história e cultura africana nas escolas, tal realização encontra limites no próprio sistema capitalista. Vemos o acirramento na precariedade do ensino público, que aumenta o abismo da educação dos ricos com a dos pobres, no qual o fechamento de duas mil salas de aula no ensino médio[4], em 2014 quatro mil escolas rurais foram fechadas[5], além da já conhecida a superlotação de salas, a falta de reconhecimento do trabalho docente e sua super-exploração. Isto nos faz questionar se colocar a escola como o elemento de relações igualitárias na sociedade é possível perante um regime que mercantiliza nossos direitos básicos e tem como base de funcionamento a miséria de muitos para o privilégio de poucos.

As reformas de hoje terão alcance curto (ou mesmo nulo), caso não vislumbremos a superação da nossa miséria do possível que foi criada pelos que se beneficiam de nosso sistema. Uma transformação revolucionária de nossa realidade se faz necessária, unindo as lutas étnico-raciais, de gênero e classista. 

Não podemos esperar a realização de uma sociedade mais justa e igualitária como se fosse uma fatalidade da história. Precisamos transformar as cores do arco-íris do Facebook em luta organizada, levar este debate para a sociedade e, assim, travar nossa disputa.

Precisamos imediatamente levar o debate sobre uma reestruturação curricular do ensino público que inclua o debate de gênero nas escolas, bem como a legalização do casamento homossexual e lésbico e do aborto, como agora se coloca contra a redução da maioridade penal. Precisamos da organização dos setores atingidos bem como uma luta de conjunto que consiga fazer de fato nossa sociedade avançar nesta direção, para além das letras da lei. Colorir a sociedade com as lutas de gênero, de raça e de classe.
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[1] - “Entre janeiro de 2008 e abril de 2013, foram 486 mortes, quatro vezes a mais que no México, segundo país com mais casos registrados.” - Brasil lidera número de mortes de travestis e transexuais, aponta ONG - http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-01-29/brasil-lidera-numero-de-mortes-de-travestis-e-transexuais-aponta-ong.html
[2] - http://www.brasilpost.com.br/2014/02/13/assassinatos-gay-brasil_n_4784025.html
[3] - http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-um-estupro-a-cada-4-minutos,1591457 
[4] - http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-02-06/sp-2400-salas-de-aula-foram-fechadas-afirma-sindicato.html 
[5] - http://www.mst.org.br/2015/06/24/mais-de-4-mil-escolas-do-campo-fecham-suas-portas-em-2014.html 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Por que não ANEL?

Recentemente, em nosso último texto lançado – “Porque não participar da UNE?” – mostramos nosso posicionamento quanto à importância em construir uma entidade nacional de representação dos estudantes como a UNE. Neste iremos responder outra pergunta: Por que não ANEL?

Justamente por sabermos que há diferenças gritantes, bem como semelhanças, entre as duas entidades, vimos a necessidade de nos posicionar especificamente sobre cada uma delas, sendo as duas principais forças nacionais que atuam no movimento estudantil. Bem como no texto anterior, é necessário recorrermos a um pequeno histórico desta entidade para nos posicionar sobre.




A nova entidade é a resposta?

A ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre) surge, no ano de 2009, como deliberação do Congresso Nacional de Estudantes (CNE). Neste período, o CNE era uma frente que aglutinava diversas forças que romperam com a UNE e buscavam uma articulação nacional de organizações políticas, coletivos, federações de curso, partidos políticos e organizações de base estudantil na iniciativa de buscar uma alternativa à degenerada UNE. Do CNE, uma força política se sobressaiu e tinha por objetivo somente construir uma nova entidade nacional: o PSTU.

Notadamente a perspectiva do PSTU em construir esta entidade é a de ser direção das mobilizações estudantis. Mas, que lutas a ANEL pretende “encabeçar”? Vivenciamos nas últimas duas décadas a burocratização do movimento estudantil encampada pela UNE. Lembremos que a UNE não nasceu burocratizada e não possui esta característica como genética, mas sim, foi um processo histórico pelo qual a mesma passou, e que hoje a coloca como instrumento contra as mobilizações e sem perspectivas de retorno. Inclusive foi através das lutas que esta se rearticulou no ano de 1979 com o processo de desintegração da ditadura militar.

A burocratização do movimento estudantil e da UNE também não adveio somente por uma perspectiva teórica ou somente pela imoralidade de seus dirigentes, também este foi um processo histórico. Tal burocratização não seria possível com um movimento estudantil fortemente organizado pelas bases e em um processo de acirramento das lutas, dentro e fora da universidade.

A precocidade de uma entidade nacional

No último período, as lutas localizadas do movimento estudantil por fora da UNE não permitiram ao ME encontrar fôlego suficiente para uma nova articulação nacional que supere a UNE numa entidade verdadeiramente combativa. Mudar as pessoas ou criar uma nova entidade não resolve um problema estrutural que enfrenta o movimento estudantil.

Neste sentido, buscar uma direção sem movimento, sem mobilização é ser uma “vanguarda autoproclamada”, que não possui vínculos orgânicos nas lutas e não nos parece uma alternativa organizativa a nível nacional.

Como observamos no texto anterior, em nossa concepção:
“Vemos que a entidade, estudantil ou sindical, pode cumprir um importante papel não somente nos momentos de mobilização, mas também para realizar formação política com os estudantes, fomentar a auto-organização dos mesmos e, em um momento de luta, cumprir este papel de articulação das lutas estando submetido a elas.”¹
Deslocadas das lutas, porém, essa formação de militantes não cria saldos reais organizativos nas bases e nas lutas. Vemos que é somente nas mobilizações que a consciência de classe pode aflorar e ser fermento de uma transformação da realidade e não nestas entidades.

Vícios da nova entidade

Diferentemente da UNE, vemos a ANEL nas mobilizações, participando delas. Porém, algo curioso acontece com tal entidade: geralmente –ou quase exclusivamente, ao vermos uma camiseta da ANEL, veremos por dentro dela um militante do PSTU. Vemos uma maneira oportunista de se utilizar de uma entidade que aspira a ser representativa, como a ANEL, para a construção somente de seu partido. Esta simbiose entre a ANEL e o PSTU, no limite, transforma a ANEL em núcleo de juventude do partido, escondendo sua organização por detrás da imagem da entidade.

A própria forma como se dá o congresso denuncia sua estrutura. Nos vídeos soltados pela ANEL, para divulgação do congresso, vemos militantes do PSTU de diversos setores falando para o congresso, enquanto membros de outras organizações, ou sem organização, apareciam sem voz.

Seus espaços são organizados no formato de mesas, ou seja, palestras, nas quais o PSTU define quem irá compor a mesa em última instancia, havendo pouco espaço para debate nas mesmas. Em outros momentos do congresso acontecem os “Painéis temáticos” e “Oficinas temáticas”, cerca de dez delas ao mesmo tempo. Esta estrutura impede um debate realmente democrático e efetivo, que aprofunde os temas e consiga levar adiante uma construção conjunta das lutas e da organização pela base.

Há possibilidade de construção?

Alguns outros coletivos participam também da ANEL, como Juventude às Ruas/MRT, Território Livre/MNN, Juventude do PCB (que também participa da UNE), etc. Porém, sua participação é expressiva nas deliberações do congresso?

O que se sabe é que o PSTU possui total hegemonia nesta entidade e uma deliberação dificilmente será aprovada se não for “permitida” pelo partido. Além disso, ele não leva adiante grande parte das deliberações que não são de sua autoria, por não fazer parte de seu programa, tornando a deliberação vazia de conteúdo e de continuidade.

Visto estes elementos, por que alocar energias em uma entidade nacional que se torna núcleo de formação do PSTU? Para nós, o atual momento de rearticulação das lutas no Brasil mostra uma desilusão com a proposta de transformações pela via governamental, oferecida pelo PT. Assim, não cabe organizar por cima o rumo das mobilizações e sim, estar no dia a dia das lutas, fomentá-las, massificá-las, buscar a unidade que transborde o nível das categorias específicas e conquistar um saldo organizativo de cada luta.

Se quisermos uma unidade das esquerdas, ela tem que se dar nas ruas e não em acordos por cima, por fora dessas lutas. Com as poucas energias de que dispomos, não cabe nos perdermos em disputas entre direções –autoproclamadas, e sim, na construção do terreno na qual os debates políticos podem ser realmente férteis e com potencial transformador da realidade. 

É preciso enraizar as organizações que construímos no solo fértil das lutas. Árvores sem raízes logo tombarão.

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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Porque não participar da UNE?


Durante época de eleições para delegados para o congresso da União Nacional de Estudantes (UNE) e também da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL) – Entidades nacionais de representação dos estudantes -, as organizações políticas que atuam no movimento estudantil são cobradas a se posicionar. Observa-se uma movimentação agitada nos espaços universitários, com o intuito de exaltar a importância dos estudantes depositarem seus votos nas urnas, alegando o papel fundamental de uma entidade nacional estudantil. Porém, será que estes espaços serão resposta para a articulação e mobilização dos estudantes em torno de suas pautas?

Neste 03 a 07 de Junho acontece o Congresso da UNE (CONUNE) e de 04 a 07 o Congresso da ANEL. Neste momento é a esta questão que pretendemos responder em dois textos, este sobre a UNE e posteriormente outro sobre a ANEL.

A União Nacional dos Estudantes (UNE)


A UNE, já há muito tempo, sofreu um processo de burocratização. O que significa que esta possui uma camada dirigente descolada das necessidades reais das bases e que se torna autossuficiente na defesa de seus interesses particulares. Geralmente, os estudantes universitários só ouvem falar da UNE em época de eleição de delegados para seus congressos. Chapas da seção majoritária (PCdoB, PT, PPL, PSB, etc.)  e da Oposição de Esquerda (PSOL, PCB, Esquerda Marxista, etc.) articulam-se e realizam grandes intervenções nos campus querendo votos dos estudantes. Acabam as eleições e sequer os debates e deliberações retornam para os estudantes, o que demonstra o quão autossuficiente é este espaço e o pouco compromisso que ele tem para com a base dos estudantes.

Sendo dirigida neste momento pela União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, tornou-se um aparelho de defesa do governo do Partido dos Trabalhadores e base de implantação das políticas deste governo. É válido retomar um pequeno histórico da entidade, mostrando um pouco de sua organização interna. A partir disto cabe nos questionar: Pode a UNE voltar a ser perigosa? Perigosa para quem?

Forjada na década de 1930 no Brasil como uma articulação nacional do movimento estudantil, a UNE teve sua importância nas mobilizações pela educação durante o governo Goulart - fim dos anos 50 e início dos anos 60 – e, posteriormente, foi levada à clandestinidade pela ditadura militar em 1968. A entidade se rearticula em 1979, no contexto de “abertura democrática lenta, gradual e segura”. Com diferenças e particulardades, esta acompanha o processo de articulação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Nos anos 90, com o refluxo generalizado das mobilizações de massas e também do movimento estudantil nacional, a UNE inicia sua burocratização. Sem lutas nem vínculos orgânicos com a base, a direção da UNE (UJS/PCdoB), reduz sua força à condução do aparato, transformando os militantes em tecnocratas gestores do mesmo. Ainda durante a campanha “Fora Collor”, a UNE não foi elemento aglutinador e nem intensificou estas lutas. Neste período, a base estudantil modificou-se significativamente, devido à expansão das universidades privadas.

Em 2002, com a ascensão de Lula ao governo federal, a UNE torna-se braço do Ministério da Educação e Cultura (MEC), atuando na implantação das políticas da união. As reformas iniciadas pelo governo federal de desoneração e expansão do ensino privado superior (PROUNI, FIES) e expansão sem recursos das universidades públicas (REUNI), processo conhecido como “reforma universitária”, foram amplamente apoiadas pela UNE, enquanto, paralelamente, se articulava um movimento de estudantes contra tal reforma. No ano de 2012 aconteceu uma das maiores greves estudantis das universidades federais, e a UNE posicionou-se contra a greve e realizava negociações com o governo federal e o MEC por fora do movimento.

Cabe salientar algumas questões estratégicas neste debate. Os setores da “majoritária da UNE” são os que fomentam a fé neste governo federal do PT que nos últimos anos vem realizando cortes na educação. A única atividade da UNE nos últimos anos se reduziu à demanda pela meia-entrada estudantil, que inclusive vem sendo cortada por ação da própria entidade. A lógica do gabinete e das mesas de negociação substitui a lógica de construção e mobilização de base. A UNE recebe anualmente verbas astronômicas do governo federal para manutenção da entidade. Isto, ao invés de ser colocado a serviço das mobilizações, torna-se elemento essencial de atrelamento da entidade ao governo. Dependência econômica causa subordinação política.

As práticas e a própria estrutura desta entidade mostram que ela está a serviço da manutenção do governismo no movimento estudantil. As eleições para a UNE geralmente são realizadas sem debates prévios sobre o sentido desta entidade, sobre porque construir a UNE. Estratégias como burlar eleições, fraudar urnas e listas de votação são recorrentes nesta entidade. Muitos delegados da seção majoritária comparecem ao congresso sem saber realmente o que acontece e muitos são puxados ao congresso pelas festas que ali ocorrem. Sendo a majoritária presente na maioria das universidades particulares, – grande maioria dos estudantes universitário hoje em dia – esta consegue manter sua hegemonia na entidade não se preocupando em mobilizar os estudantes, mas somente conseguir tirar delegados de forma descolada de qualquer mobilização e servindo a interesses próprios.

A chapa de Oposição de Esquerda da UNE é uma frente com diversos setores do PSOL, PCB, Esquerda Marxista, entre outros, que busca “tornar a UNE perigosa”. Em sua iniciativa, estes sabem que é impossível competir com as práticas desonestas de hegemonismo da ala majoritária. Neste sentido, a Oposição de Esquerda pretende disputar os delegados que vão para o congresso, ou seja, participam do congresso com o objetivo de aumentar os quadros de suas organizações. Mas, ao fazer isto, ainda fomentam a fé nesta entidade, como se a UNE pudesse ser uma via de mobilização dos estudantes e também, em algum sentido, uma via de negociação com o governo através de suas pautas.

Na mesma medida, participam das eleições por fora de construção de base, das mobilizações e dos espaços de auto-organização dos estudantes, e, algumas vezes, contra estes espaços. Em suma, a Oposição de Esquerda se preocupa menos com a mobilização dos estudantes e suas demandas do que com os interesses dos partidos e organizações que participam.

Neste sentido, cabe salientar que o congresso da UNE é recheado de festas, os Grupos de Discussão são esvaziados e as votações são, praticamente, enfrentamentos de torcida, com seus tambores, bandeiras e etc. Pouco ou nenhum espaço sobra para debates políticos efetivos sobre estratégia e luta.

Construir a UNE, realizar eleições e fomentar a fé nesta entidade nacional cooptada é um grande desserviço às mobilizações, pois fomenta uma ilusão nos estudantes. A UNE já é perigosíssima, cumprindo um forte papel de desmobilizar das bases.

Mesmo que fosse possível mudar a direção da entidade, cabe questionar: trocar a direção majoritária da UNE pela Oposição de Esquerda mudaria algo? A nosso ver, não. Por fora de mobilizações de base, manter uma entidade nacional desta maneira cria uma inevitável burocratização. Manter o aparato torna-se um objetivo em si mesmo e as poucas energias que poderiam voltar-se à mobilização e construção de base voltam-se às tarefas burocráticas. 

Na mesma linha de raciocínio outro questionamento pertinente é: trocar uma entidade por outra transformaria o contexto em que estamos? É isto que tentaremos responder em novo texto sobre Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL).

Conclusão


A quem nos lê, pode aparentar que somos contra qualquer forma de representatividade ou de entidade, o que seria um engano. Vemos que a entidade, estudantil ou sindical, pode cumprir um importante papel não somente nos momentos de mobilização, mas também para realizar formação política com os estudantes, fomentar a auto-organização dos mesmos e, em um momento de luta, cumprir este papel de articulação das lutas estando submetido a elas.

O que acontece com a UNE, e que também vemos com algumas diferenças na ANEL, é a impossibilidade deste aparato servir a tal objetivo, seja pelas opções oferecidas de mobilização pelas correntes que a compõem, seja pela própria estrutura da entidade. Temos energias limitadas na mobilização e girar esforços para construir esta entidade degenerada é desarticular o movimento estudantil e desviar os esforços.

Neste momento de corte de 30% das verbas das universidades federais, insuficiência e cortes nas políticas de permanência estudantil nas estaduais paulistas, luta por cotas raciais e sociais na USP e UNICAMP, precarização do trabalho docente no ensino básico, congelamento das contratações de servidores docentes e técnico administrativos nas universidades, fechamento de mais de 2 mil salas de aula na rede pública básica no estado de São Paulo, vemos como um desvio nas energias se empenhar em construir uma entidade nacional. Ao invés disto, necessitamos nos rearticular em nossos locais de trabalho e de estudo, impulsionando a auto-organização dos estudantes por outro projeto de universidade e de educação.

domingo, 31 de maio de 2015

Todo apoio aos 31 processados de Rio Claro!

A organização política Canudos manifesta seu apoio à luta empenhada pelas/os lutadoras/es do campus da UNESP Rio Claro que, agora, estão sofrendo processos administrativos (sindicâncias) por defenderem uma universidade pública que atenda aos direitos do corpo estudantil pobre e trabalhador.


No ano de 2014, o movimento estudantil local deliberou por ocupação da direção do Instituto de Biociências em resposta às expulsões de moradia e à insuficiência vagas que permanece. Foi um ano marcado por expulsões de moradias estudantis em todo o cenário da UNESP, uma vez que novos critérios de seleção (tanto de moradia quanto de auxílio socioeconômico) desencadearam o arrocho da permanência. Araraquara e Ilha Solteira também passaram pelo mesmo processo o qual culminou, para aqueles, a fatídica ameaça da expulsão de 17 estudantes.

“Ocupar para dialogar”: essa se tornou a tônica de um movimento que só recebia precariedade e intransigência frente às suas demandas e reivindicações. Como resposta, a direção da unidade entra com pedido de reintegração de posse das dependências do instituto. Diante de tal ameaça, os ocupantes retiram-se do prédio de modo a evitar a repressão policial mais que iminente.

Em 2015, vêm à tona 31 sindicâncias de Rio Claro no mesmo momento em que revertemos as expulsões de Araraquara. A organização Canudos repudia veementemente a ação encabeçada pela direção do IB e endossada pela REItoria da instituição. Essas ações repressoras são filhas diretas da ditadura civil-militar, assim como o estatuto da Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho, o é. Inconstitucionalidade, ditadura e repressão são as palavras de ordem desta instituição. A luta estudantil é legítima e não será calada diante de tamanho ataque sem precedentes em nossa história recente. Basta de ataques!

Pelo arquivamento imediato dos processos administrativos!
Todo apoio às/aos 31 estudantes da UNESP de Rio Claro!
Lutar não é crime!

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Nota em Apoio ao prof.º Jean Menezes e em repúdio à reitoria da UNESP


O Professor de História da UNESP de Marília, Jean Paulo Pereira de Menezes, está sofrendo processo administrativo disciplinar por parte da reitoria, por ter lançado uma carta de repúdio à ação da mesma de suspender quase 100 estudantes no ano de 2014. Em sua carta, o professor critica as ações do reitor por tratar as demandas dos estudantes por permanência estudantil com política de repressão policial e institucional.  Não é de se surpreender a maneira como o documento foi recebido pela reitoria: Jean Menezes está intimado, e convocado, a uma audiência de sindicância no dia 28/05/2014, acusado do crime de calunia, podendo ser suspenso e de receber processo jurídico.

Manifestamos nosso apoio ao professor Jean Menezes, que nesse momento está desempregado e sem direito a seguro desemprego. Fica nosso repúdio à ação imatura da reitoria ao tratar os argumentos e criticas do professor como crimes. Não há neutralidade nesses processos de sindicância; o que Jean fez foi se colocar contra uma instituição que se respalda em um regimento advindo da ditadura militar, para tratar como caso de policia as demandas básicas de permanência estudantil para os estudantes com carência socioeconômica.

A própria ação da reitoria mostra que a carta do professor não apresenta calúnia; no mesmo dia da audiência do professor, 31 estudantes na UNESP de Rio Claro estarão respondendo por processo disciplinar, por terem lutado por permanência estudantil. De fato, punir àqueles que lutam não é algo exclusivo para nenhum setor da sociedade. No ambiente universitário é recorrente o assédio moral aos servidores técnico-administrativos e corte de ponto nos momentos de greve. Os processos servem de exemplo para que haja um silenciamento entre as pessoas quanto às demandas do ensino superior publico, gratuito e de qualidade para as camadas mais pobres da população. Colocar-se contra as praticas de repressão é lutar para que as demandas não sejam silenciadas nem ignoradas. 

Ninguém fica para trás!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Violência contra as mulheres: uma nota em dois tons

Nós, da Canudos, escrevemos esta nota sobre o caso de agressão noticiado pelo “Coletivo Não é Não” do dia 05 de Maio de 2015. Realizamos essa “nota em dois tons”, pois falamos de lugares diferentes – enquanto mulheres e homens, respectivamente. Entendemos que esta apresentação possa parecer esquemática, porém a vemos como necessária perante os casos de agressão às mulheres. 

NÓS, MULHERES

Nenhuma condescendência com os agressores de mulheres vai ter efeito pedagógico. É preciso combater a violência contra as mulheres sem atenuar o conflito. O conflito é, por si mesmo, pedagógico, em primeiro lugar, para nós, mulheres. O silêncio, o adiamento para enfrentar a violência de gênero, em nome de qualquer justificativa, reforça essas práticas e vai a contramão de toda luta emancipatória. É preciso interromper o ciclo de violência patriarcal imediatamente. Secundarizar o conflito de gênero, assim como o conflito étnico-racial, subordinado ao conflito de classe não aumenta a unidade de classe. Ao contrário, fragmenta a classe e tira energia na luta comum. 

Uma estudante da UNESP de Araraquara foi agredida por seu ex-namorado, também estudante da instituição. O Coletivo Não é Não tornou público o episódio e acompanhou a estudante agredida para fazer o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher. Não houve acolhimento à vítima de violência por parte da delegacia, que tentou fazê-la desistir da denúncia. De fato, essa instituição reproduz e mantém a ordem do sistema capitalista e patriarcal.

O agressor denunciado, morador da república Pega Na Benga (PNB), alegou que agia em sua própria defesa.  A república PNB tem total responsabilidade pelas agressões cometidas por seus membros. O ocorrido não é caso inédito na história das republicas, lembramos também que elas reproduzem as relações de poder e violência “veterano-bixo”, como foi denunciado pela CPI da Violência nas Universidades. Essa reprodução da cultura da violência dentro das repúblicas autoriza e legitima nos homens esse suposto poder de uns sobre os outros e dos homens sobre as mulheres.

Nós não vamos desculpar nenhum homem.

Estamos juntas na luta, na auto-organização das mulheres e contra a desqualificação de suas intervenções. Nossa voz não é histeria. Exigimos respeito para a ação e a palavra das mulheres. 

NÓS, HOMENS

Enquanto homens, enquanto beneficiados destas situações, não podemos repousar em uma posição confortável de nos isentarmos desta questão. Na medida em que nos silenciamos, somos além de beneficiados, cúmplices.

Repudiamos o acontecido, porém, se ficarmos apenas no repúdio de ações de indivíduos, como se fossem casos isolados na nossa sociedade, permaneceríamos no nível mais superficial da hipocrisia. É preciso assumir responsabilidade por essa cultura que favorece a agressão e a justifica. Todos os homens têm responsabilidade por essas práticas. Além disso, não se isenta da questão a cultura de violência e machismo reproduzida nas republicas universitárias.
  
Por isso, também não se trata apenas de culpar o “sistema” para diluir nossas responsabilidades.  Não estamos livres de reproduzir tais situações, simplesmente por sermos militantes, por isto é fundamental a auto-organização das mulheres que imponha, na prática cotidiana, e a luta pela emancipação das mulheres a todos.

Neste sentido, o conflito é essencial no combate ao machismo e ao patriarcado. As mulheres são os sujeitos efetivos desta luta e cabe a nós ouvir, compreender e ter consciência de que todos somos machistas, na medida em que somos beneficiados do patriarcado.

O fato de mulheres serem agredidas as mantém na posição de subalternidade, criando o medo e reiterando os homens na posição dominante.

ROMPER O CICLO PATRIARCAL

Vemos, portanto, que este não é um fato isolado, mas sim uma expressão de um sistema de exploração e dominação do sexo feminino. Não acreditamos que este se encerre ao nível individual ou da ideologia, ele tem bases materiais e que têm a ver, em primeiro lugar, com a exploração do trabalho reprodutivo, aqui incluído o trabalho doméstico, o controle da sexualidade, etc.

As medidas reflexivo-educativas são inócuas no seu combate se não se atacam essas bases materiais. Muito se diz que o feminismo tenha de ser pedagógico, criticando a postura dos escrachos, por exemplo. Sabemos que os escrachos são insuficientes, porém, esta é uma ação pedagógica que cria a condição material de demonstrar que há uma auto-organização das mulheres presentes no espaço que não permitirá tal ocorrido e irá denunciá-los.

Para nós, mulheres e homens da Canudos, romper o ciclo patriarcal só será possível através da auto-organização das mulheres que imponha suas demandas e uma nova postura ao movimento geral de emancipação humana.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Assembleia Estudantil: há saída para a paralisia?

Assembleia de estudantes da UNESP-Araraquara em 09-05-2013
Os problemas que enfrentamos na universidade, e na UNESP-Araraquara em específico, não são poucos: o Restaurante Universitário (RU), que supria a alimentação de mais de mil pessoas por dia está há cinco meses parado e a empresa que realizava a reforma faliu, deixando somente os escombros do mesmo. Será necessária uma nova licitação para que dê continuidade na reforma, reforma esta que estava anunciada para demorar um ano e que agora não se tem mais prazo sequer para retorno das obras.

A permanência estudantil da universidade, políticas para que estudantes com carência socioeconômica como moradia e bolsa-auxílio, estão sendo cortadas, diminuindo em quantidade. Isto em um ano de aumento da proporção de cotas na universidade, a qual em 2014 foi 15% do total de vagas e, neste ano de 2015, são 25%, tendo perspectiva de 50% de reserva de vagas até 2018. O que reafirma a necessidade de ampliação das políticas de permanência estudantil, visto que estas já eram insuficientes antes das cotas e agora é necessário ampliá-las para que estes estudantes cotistas e todos os outros que necessitem tenham condições de permanecer na universidade.

A repressão aos que lutam é também problemática recorrente que precisamos responder. Recentemente, 17 estudantes foram ameaçados de serem expulsos da universidade, algo que a partir das lutas conseguiu reverter para 6 meses de suspensão. Também 31 estudantes de Rio Claro estão sofrendo processo que pode acabar com a expulsão dos mesmos, devido a uma ocupação da direção de Rio Claro ocorrida em 2014. Cabe notar, que a diretoria da unidade esperou um ano para enviar o processo de sindicância, algo ao que devemos estar atentos.

Perante isto, qual seria uma resposta efetiva dos estudantes?


As reuniões com a direção feitas pelos centros acadêmicos (ca’s) da UNESP-Araraquara demonstram claramente seus limites. Após cerca de cinco reuniões nada de nosso quadro avançou, para além, permanecemos em estado de paralisia enquanto o RU ficou cinco meses parado, enquanto muitos estudantes desistiram da universidade por falta de condições  de permanecer. Tal estratégia dos ca’s tornou as assembleias instâncias inócuas, reduzindo o espaço aos informes da reunião com a direção e votando as propostas feitas pelo diretor. Isto tornou os ca’s um representante da direção da universidade para os estudantes e não o contrário como deveriam ser. 

Isto demonstra a clara debilidade em uma estratégia encampada pelos centros acadêmicos em voltar-se quase exclusivamente aos diálogos com a direção ao invés de voltar-se a promover a organização e mobilização dos estudantes, através de seus organismos de base como as assembleias, plenárias, grupos de discussão, etc. Isto, mesmo em um momento em que parte dos CA’s, o de ciências sociais principalmente, vem construindo a UNE (Uniao Nacional dos Estudantes), ao invés desta construção de base.

Cabe lembrar, que os professores da rede estadual de São Paulo estão há cerca de 70 dias em greve, numa luta pela melhoria da educação de base, algo fundamental se lutamos por uma universidade que sirva aos interesses dos subalternizados deste país. Enquanto isto, os estudantes que foram elemento dinâmico e impulsionaram uma luta que conquistou, entre outras coisas, cotas na universidade no ano de 2013, estão assistindo atônitos a tal movimentação.

Por isto, vemos a necessidade de tornar as assembleias plenas de conteúdo. Precisamos começar a pensar em propostas efetivas de saídas para os estudantes, pensar em paralisações, manifestações de rua, piquetes, greves e outros para sairmos de tal paralisia. 

Diversos setores, em Araraquara e no Brasil, estão entrando em mobilização neste momento e precisamos pensar em unificar as lutas para realmente conseguir respostas, transbordando os muros da universidade.

Chamamos, então, a todos os estudantes e setores em luta para compor a assembleia geral dos estudantes da UNESP-Araraquara.

PARA BARRAR A PRECARIZAÇÃO, GREVE GERAL, GREVE GERAL DA EDUCAÇÃO!

ISTO AQUI VAI VIRAR O PARANÁ!