quarta-feira, 27 de maio de 2015

Violência contra as mulheres: uma nota em dois tons

Nós, da Canudos, escrevemos esta nota sobre o caso de agressão noticiado pelo “Coletivo Não é Não” do dia 05 de Maio de 2015. Realizamos essa “nota em dois tons”, pois falamos de lugares diferentes – enquanto mulheres e homens, respectivamente. Entendemos que esta apresentação possa parecer esquemática, porém a vemos como necessária perante os casos de agressão às mulheres. 

NÓS, MULHERES

Nenhuma condescendência com os agressores de mulheres vai ter efeito pedagógico. É preciso combater a violência contra as mulheres sem atenuar o conflito. O conflito é, por si mesmo, pedagógico, em primeiro lugar, para nós, mulheres. O silêncio, o adiamento para enfrentar a violência de gênero, em nome de qualquer justificativa, reforça essas práticas e vai a contramão de toda luta emancipatória. É preciso interromper o ciclo de violência patriarcal imediatamente. Secundarizar o conflito de gênero, assim como o conflito étnico-racial, subordinado ao conflito de classe não aumenta a unidade de classe. Ao contrário, fragmenta a classe e tira energia na luta comum. 

Uma estudante da UNESP de Araraquara foi agredida por seu ex-namorado, também estudante da instituição. O Coletivo Não é Não tornou público o episódio e acompanhou a estudante agredida para fazer o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher. Não houve acolhimento à vítima de violência por parte da delegacia, que tentou fazê-la desistir da denúncia. De fato, essa instituição reproduz e mantém a ordem do sistema capitalista e patriarcal.

O agressor denunciado, morador da república Pega Na Benga (PNB), alegou que agia em sua própria defesa.  A república PNB tem total responsabilidade pelas agressões cometidas por seus membros. O ocorrido não é caso inédito na história das republicas, lembramos também que elas reproduzem as relações de poder e violência “veterano-bixo”, como foi denunciado pela CPI da Violência nas Universidades. Essa reprodução da cultura da violência dentro das repúblicas autoriza e legitima nos homens esse suposto poder de uns sobre os outros e dos homens sobre as mulheres.

Nós não vamos desculpar nenhum homem.

Estamos juntas na luta, na auto-organização das mulheres e contra a desqualificação de suas intervenções. Nossa voz não é histeria. Exigimos respeito para a ação e a palavra das mulheres. 

NÓS, HOMENS

Enquanto homens, enquanto beneficiados destas situações, não podemos repousar em uma posição confortável de nos isentarmos desta questão. Na medida em que nos silenciamos, somos além de beneficiados, cúmplices.

Repudiamos o acontecido, porém, se ficarmos apenas no repúdio de ações de indivíduos, como se fossem casos isolados na nossa sociedade, permaneceríamos no nível mais superficial da hipocrisia. É preciso assumir responsabilidade por essa cultura que favorece a agressão e a justifica. Todos os homens têm responsabilidade por essas práticas. Além disso, não se isenta da questão a cultura de violência e machismo reproduzida nas republicas universitárias.
  
Por isso, também não se trata apenas de culpar o “sistema” para diluir nossas responsabilidades.  Não estamos livres de reproduzir tais situações, simplesmente por sermos militantes, por isto é fundamental a auto-organização das mulheres que imponha, na prática cotidiana, e a luta pela emancipação das mulheres a todos.

Neste sentido, o conflito é essencial no combate ao machismo e ao patriarcado. As mulheres são os sujeitos efetivos desta luta e cabe a nós ouvir, compreender e ter consciência de que todos somos machistas, na medida em que somos beneficiados do patriarcado.

O fato de mulheres serem agredidas as mantém na posição de subalternidade, criando o medo e reiterando os homens na posição dominante.

ROMPER O CICLO PATRIARCAL

Vemos, portanto, que este não é um fato isolado, mas sim uma expressão de um sistema de exploração e dominação do sexo feminino. Não acreditamos que este se encerre ao nível individual ou da ideologia, ele tem bases materiais e que têm a ver, em primeiro lugar, com a exploração do trabalho reprodutivo, aqui incluído o trabalho doméstico, o controle da sexualidade, etc.

As medidas reflexivo-educativas são inócuas no seu combate se não se atacam essas bases materiais. Muito se diz que o feminismo tenha de ser pedagógico, criticando a postura dos escrachos, por exemplo. Sabemos que os escrachos são insuficientes, porém, esta é uma ação pedagógica que cria a condição material de demonstrar que há uma auto-organização das mulheres presentes no espaço que não permitirá tal ocorrido e irá denunciá-los.

Para nós, mulheres e homens da Canudos, romper o ciclo patriarcal só será possível através da auto-organização das mulheres que imponha suas demandas e uma nova postura ao movimento geral de emancipação humana.

Comente com o Facebook: