quinta-feira, 4 de junho de 2015

Porque não participar da UNE?


Durante época de eleições para delegados para o congresso da União Nacional de Estudantes (UNE) e também da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL) – Entidades nacionais de representação dos estudantes -, as organizações políticas que atuam no movimento estudantil são cobradas a se posicionar. Observa-se uma movimentação agitada nos espaços universitários, com o intuito de exaltar a importância dos estudantes depositarem seus votos nas urnas, alegando o papel fundamental de uma entidade nacional estudantil. Porém, será que estes espaços serão resposta para a articulação e mobilização dos estudantes em torno de suas pautas?

Neste 03 a 07 de Junho acontece o Congresso da UNE (CONUNE) e de 04 a 07 o Congresso da ANEL. Neste momento é a esta questão que pretendemos responder em dois textos, este sobre a UNE e posteriormente outro sobre a ANEL.

A União Nacional dos Estudantes (UNE)


A UNE, já há muito tempo, sofreu um processo de burocratização. O que significa que esta possui uma camada dirigente descolada das necessidades reais das bases e que se torna autossuficiente na defesa de seus interesses particulares. Geralmente, os estudantes universitários só ouvem falar da UNE em época de eleição de delegados para seus congressos. Chapas da seção majoritária (PCdoB, PT, PPL, PSB, etc.)  e da Oposição de Esquerda (PSOL, PCB, Esquerda Marxista, etc.) articulam-se e realizam grandes intervenções nos campus querendo votos dos estudantes. Acabam as eleições e sequer os debates e deliberações retornam para os estudantes, o que demonstra o quão autossuficiente é este espaço e o pouco compromisso que ele tem para com a base dos estudantes.

Sendo dirigida neste momento pela União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao PCdoB, tornou-se um aparelho de defesa do governo do Partido dos Trabalhadores e base de implantação das políticas deste governo. É válido retomar um pequeno histórico da entidade, mostrando um pouco de sua organização interna. A partir disto cabe nos questionar: Pode a UNE voltar a ser perigosa? Perigosa para quem?

Forjada na década de 1930 no Brasil como uma articulação nacional do movimento estudantil, a UNE teve sua importância nas mobilizações pela educação durante o governo Goulart - fim dos anos 50 e início dos anos 60 – e, posteriormente, foi levada à clandestinidade pela ditadura militar em 1968. A entidade se rearticula em 1979, no contexto de “abertura democrática lenta, gradual e segura”. Com diferenças e particulardades, esta acompanha o processo de articulação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Nos anos 90, com o refluxo generalizado das mobilizações de massas e também do movimento estudantil nacional, a UNE inicia sua burocratização. Sem lutas nem vínculos orgânicos com a base, a direção da UNE (UJS/PCdoB), reduz sua força à condução do aparato, transformando os militantes em tecnocratas gestores do mesmo. Ainda durante a campanha “Fora Collor”, a UNE não foi elemento aglutinador e nem intensificou estas lutas. Neste período, a base estudantil modificou-se significativamente, devido à expansão das universidades privadas.

Em 2002, com a ascensão de Lula ao governo federal, a UNE torna-se braço do Ministério da Educação e Cultura (MEC), atuando na implantação das políticas da união. As reformas iniciadas pelo governo federal de desoneração e expansão do ensino privado superior (PROUNI, FIES) e expansão sem recursos das universidades públicas (REUNI), processo conhecido como “reforma universitária”, foram amplamente apoiadas pela UNE, enquanto, paralelamente, se articulava um movimento de estudantes contra tal reforma. No ano de 2012 aconteceu uma das maiores greves estudantis das universidades federais, e a UNE posicionou-se contra a greve e realizava negociações com o governo federal e o MEC por fora do movimento.

Cabe salientar algumas questões estratégicas neste debate. Os setores da “majoritária da UNE” são os que fomentam a fé neste governo federal do PT que nos últimos anos vem realizando cortes na educação. A única atividade da UNE nos últimos anos se reduziu à demanda pela meia-entrada estudantil, que inclusive vem sendo cortada por ação da própria entidade. A lógica do gabinete e das mesas de negociação substitui a lógica de construção e mobilização de base. A UNE recebe anualmente verbas astronômicas do governo federal para manutenção da entidade. Isto, ao invés de ser colocado a serviço das mobilizações, torna-se elemento essencial de atrelamento da entidade ao governo. Dependência econômica causa subordinação política.

As práticas e a própria estrutura desta entidade mostram que ela está a serviço da manutenção do governismo no movimento estudantil. As eleições para a UNE geralmente são realizadas sem debates prévios sobre o sentido desta entidade, sobre porque construir a UNE. Estratégias como burlar eleições, fraudar urnas e listas de votação são recorrentes nesta entidade. Muitos delegados da seção majoritária comparecem ao congresso sem saber realmente o que acontece e muitos são puxados ao congresso pelas festas que ali ocorrem. Sendo a majoritária presente na maioria das universidades particulares, – grande maioria dos estudantes universitário hoje em dia – esta consegue manter sua hegemonia na entidade não se preocupando em mobilizar os estudantes, mas somente conseguir tirar delegados de forma descolada de qualquer mobilização e servindo a interesses próprios.

A chapa de Oposição de Esquerda da UNE é uma frente com diversos setores do PSOL, PCB, Esquerda Marxista, entre outros, que busca “tornar a UNE perigosa”. Em sua iniciativa, estes sabem que é impossível competir com as práticas desonestas de hegemonismo da ala majoritária. Neste sentido, a Oposição de Esquerda pretende disputar os delegados que vão para o congresso, ou seja, participam do congresso com o objetivo de aumentar os quadros de suas organizações. Mas, ao fazer isto, ainda fomentam a fé nesta entidade, como se a UNE pudesse ser uma via de mobilização dos estudantes e também, em algum sentido, uma via de negociação com o governo através de suas pautas.

Na mesma medida, participam das eleições por fora de construção de base, das mobilizações e dos espaços de auto-organização dos estudantes, e, algumas vezes, contra estes espaços. Em suma, a Oposição de Esquerda se preocupa menos com a mobilização dos estudantes e suas demandas do que com os interesses dos partidos e organizações que participam.

Neste sentido, cabe salientar que o congresso da UNE é recheado de festas, os Grupos de Discussão são esvaziados e as votações são, praticamente, enfrentamentos de torcida, com seus tambores, bandeiras e etc. Pouco ou nenhum espaço sobra para debates políticos efetivos sobre estratégia e luta.

Construir a UNE, realizar eleições e fomentar a fé nesta entidade nacional cooptada é um grande desserviço às mobilizações, pois fomenta uma ilusão nos estudantes. A UNE já é perigosíssima, cumprindo um forte papel de desmobilizar das bases.

Mesmo que fosse possível mudar a direção da entidade, cabe questionar: trocar a direção majoritária da UNE pela Oposição de Esquerda mudaria algo? A nosso ver, não. Por fora de mobilizações de base, manter uma entidade nacional desta maneira cria uma inevitável burocratização. Manter o aparato torna-se um objetivo em si mesmo e as poucas energias que poderiam voltar-se à mobilização e construção de base voltam-se às tarefas burocráticas. 

Na mesma linha de raciocínio outro questionamento pertinente é: trocar uma entidade por outra transformaria o contexto em que estamos? É isto que tentaremos responder em novo texto sobre Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL).

Conclusão


A quem nos lê, pode aparentar que somos contra qualquer forma de representatividade ou de entidade, o que seria um engano. Vemos que a entidade, estudantil ou sindical, pode cumprir um importante papel não somente nos momentos de mobilização, mas também para realizar formação política com os estudantes, fomentar a auto-organização dos mesmos e, em um momento de luta, cumprir este papel de articulação das lutas estando submetido a elas.

O que acontece com a UNE, e que também vemos com algumas diferenças na ANEL, é a impossibilidade deste aparato servir a tal objetivo, seja pelas opções oferecidas de mobilização pelas correntes que a compõem, seja pela própria estrutura da entidade. Temos energias limitadas na mobilização e girar esforços para construir esta entidade degenerada é desarticular o movimento estudantil e desviar os esforços.

Neste momento de corte de 30% das verbas das universidades federais, insuficiência e cortes nas políticas de permanência estudantil nas estaduais paulistas, luta por cotas raciais e sociais na USP e UNICAMP, precarização do trabalho docente no ensino básico, congelamento das contratações de servidores docentes e técnico administrativos nas universidades, fechamento de mais de 2 mil salas de aula na rede pública básica no estado de São Paulo, vemos como um desvio nas energias se empenhar em construir uma entidade nacional. Ao invés disto, necessitamos nos rearticular em nossos locais de trabalho e de estudo, impulsionando a auto-organização dos estudantes por outro projeto de universidade e de educação.

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