Não há atalhos

O debate em torno da disputa na esfera política, pela continuidade ou não do governo do Partido dos Trabalhadores, tende a ignorar a nova configuração do capitalismo.

A questão indígena no Brasil

Quando José Carlos Mariátegui formulou sua tese sobre a questão indígena no Peru disse que "o problema do índio era o problema da terra"...

O "golpe" já aconteceu

A onda de desemprego prepara a blindagem dos empresários para se acolher mais à frente no novo marco de legislação trabalhista. As chacinas contra a juventude da periferia e os indígenas...

A luta por cotas na Unesp

Os recentes casos de pichações racistas em Bauru, com os escritos “negras fedem”, “Juarez macaco” entre outros, recentemente chocaram a UNESP e a sociedade, por demonstrar que o racismo é algo que existe...

A Viagem de Dilma Roussef aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador...

domingo, 5 de julho de 2015

A viagem de Dilma Rousseff aos EUA e os novos alinhamentos do capitalismo

Encontro de Dilma com Obama ocorrido na última semana

A viagem da presidenta Dilma Rousseff aos EUA, com toda a carga simbólica do encontro com Obama e Kissinger[1] e com todos os desdobramentos não explicitados, é um episódio revelador. 

Houve um resfriamento das relações Brasil-EUA, cujo argumento foi a espionagem estadunidense ao Brasil denunciada pelo Wikileaks, e que serviu para justificar a intensificação da integração do Brasil na articulação conhecida como BRICS (Brasil-Russia-Índia-China-África do Sul). Esse alinhamento era apresentado como uma iniciativa de independência com relação ao imperialismo norte-americano. Com a atual reaproximação com os EUA demonstra-se que o projeto de substituir o modelo estadunidense por um modelo de desenvolvimento nacional é uma falácia.

O realinhamento está sendo forçado por uma nova onda de concentração do capital, frente ao qual o BRICS é chaveirinho de criança.  A onda da qual falamos visa a concentração do poder de concorrência de empresas norte-americanas e europeias, desarticulando os BRICS. No caso brasileiro, é essa tendência que está levando adiante a “Operação Lava Jato”, que vem paralisando as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos dos governos do PT. As obras do PAC serão retomadas porque são necessárias à expansão dos negócios, mas estes responderão a setores externos mais concentrados. E a viagem da presidenta aos EUA se dá nesse marco. 

Na reunião com banqueiros e empresários a presidenta sinalizou a disposição para que o Brasil tenha uma “economia mais aberta e competitiva”. Aponta, assim, para um abertura que foi derrotada em 2005 quando a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) foi rejeitada. 

Ao mesmo tempo, as deliberações no congresso a propósito da redução da maioridade penal também se articulam com essa tendência. Visam criar um marco legal para aumentar o componente repressivo e diminuir as políticas “sociais”, posição quase que unânime em todo congresso. Mesmo políticos contrários à redução da maioridade penal faziam, em sua maioria, falas que apontam para a necessidade de um ataque maior à juventude negra e pobre via modificação do ECA (Estatuto da criança e do adolescente). O componente repressivo é necessário para esse novo alinhamento. 

Esses movimentos do executivo e do legislativo brasileiros estão fazendo o papel da transição. Após vários anos de polarização entre o PT e o PSDB, quem parece ter capacidade de representar o novo alinhamento econômico na esfera política é o PMDB. A sinalização de Eduardo Cunha, antes de ontem, de que o PMDB deve sair do governo pode ser a que marque o próximo período da luta institucional. 

Vemos hoje que a estratégia da via parlamentar do PT e do PSOL desarticularam os movimentos organizados e, com essa ofensiva conservadora, nos vemos inaptos a confrontar os ataques contra a população trabalhadora. Só a ação organizada dos setores da população que mais os sofre pode fazer o enfrentamento necessário a esses ataques e superar as ilusões institucionais que têm mantido como refém as organizações do ciclo anterior da luta de classes. 

As greves e movimentos de resistência multiplicam-se. Mas ainda não encontram bastiões sólidos que sejam referência unificadora e ajudem a articular e superar o momento “espontâneo”, localizado ou setorial, cuja energia se esvai momentaneamente. Os povos indígenas têm sido os que mais têm crescido em organização, e também os mais brutalmente golpeados. Novas lutas virão, precisamos ser mais e mais organizados.

Dilma se encontrando com Kissinger
----------------------------------------------------------
[1] - Assessor para assuntos de segurança nacional (de 1968 a 1973) do presidente Nixon e secretário de estado (de 1973 a 1977) do mesmo e do seu sucessor, o presidente Ford. Operador da política externa de EUA, tem sido acusado de campanha secreta de bombardeios contra civis em Cambodja a partir de 1969,  assassinatos em Bangladesh, conspiração contra o presidente de Chipre, aprovação do genocídio de Suharto em Timor Leste, sequestro e assassinato de um periodista em Washington, articulador do golpe de Estado contra Salvador Allende em Chile. 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Casamento igualitário nos EUA: não temos muito a comemorar



No último dia 26, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu pela legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isso se tornou um fato internacional, visto que os EUA é a maior potência (imperialista) da atualidade, assim suas ações reverberam pelos quatro cantos do mundo. O novo marco legal pode ser uma sinalização de um mundo em que a população LGBT+ possa viver com os mesmos direitos que a heterossexual, bem como o reconhecimento desse tipo de relação por parte do Estado, isto é, gostando ou não, a população deste país deverá aceitar estas relações.

Diante deste fenômeno, o Facebook, na figura de seu criador Mark Zuckenberg, criou uma campanha em comemoração ao fato, na qual os usuários da rede podem colocar um arco-íris em sua imagem de perfil. A adesão a tal campanha no Brasil é notável. Porém, infelizmente, não temos muito a comemorar.

Compreende-se a massiva adesão a tal campanha no Brasil, uma vez que vivemos em um país em que o fundamentalismo religioso tornou-se corrente política organizada, que vem paulatinamente ganhando hegemonia para ditar sobre tais temas, com deputados, senadores e outros. No congresso estes debates estão bem longe de ser realizados e mais ainda: os projetos aprovados e discutidos atualmente vão na contramão destes avanços. Isto, contudo, é expressão de uma força presente na sociedade brasileira, que transforma o debate do casamento para a população LGBT+, bem como legalização do aborto, em tabu.

Tornou-se um ato de resistência e de confronto e mesmo um suspiro de alívio aderir à campanha do Facebook em comemoração ao ocorrido nos Estado Unidos. Expressa, então, um sentimento de esperança para uma sociedade igualitária que respeite as diferenças ou que tenha as diferenças como critério da igualdade. Mesmo setores da igreja, que supostamente estariam dentro do grupo do fundamentalismo religioso, demonstraram também que concordam com os direitos LGBT+, aderindo a tal campanha.

Mas hoje, no Brasil, tal comemoração deve ser cautelosa. Vivemos no país recordista mundial em morte de travestis e transexuais[1]. Os dados não ofuscam a realidade: a cada 28 horas, um LGBT+ é morto[2]; a cada 4 minutos, uma mulher é estuprada[3]. O que queremos dizer aqui é que não basta deixar que os avanços se realizem. Falácia é acreditar que “estamos melhorando” e que a humanidade e a igualdade virão a reinar, como uma tendência natural da história de forma progressiva e linear.
Um exemplo disto é quanto à inserção do da questão de gênero no ensino público. Em 2012, no Plano Nacional de Educação (PNE), foi aprovado um inciso que incluía o ensino visando a “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Tal inclusão foi motivo de grande comemoração, já que indicava um avanço na igualdade de gênero neste país. Porém, no ano de 2014, uma ação organizada da bancada conservadora do congresso retirou esse ponto do PNE e, no presente ano de 2015, as câmaras municipais de diversas cidades (ex: Campinas, Araraquara, São Carlos, Bauru etc.) também seguiram na mesma direção. Diante de uma ofensiva organizada, os movimentos LGBT+, feministas e classistas foram pegos desprevenidos, viram-se impotentes em impedir tal retrocesso.

Fazendo um resgate histórico, pode-se facilmente vincular o recente veto à estratégia do PT nos últimos 20 anos. Nos anos 80, o PT, que fora ponto de aglutinação de lutas dos diversos setores da sociedade, seguiu uma estratégia de conquistar posições no Estado para garantir aquelas pautas. Entre negociatas, acordos e retrocessos no seu programa, como a retirada do termo “socialismo” em 1995, o PT galga a presidência da república no ano de 2003, tendo um ex-operário na presidência e um grande empresário na vice-presidência. 

Dessa forma, a conquista feita no PNE e seu posterior retrocesso demonstram que trocando a lógica da organização de base, das lutas, das manifestações, das greves e das ocupações pelos acordos de gabinete e votos – ou seja, trocando sua base de mobilização por uma base eleitoral – o PT levou esses movimentos à desorganização, a partir de uma concepção estratégica do abandono das bases, enaltecendo, portanto, a via parlamentar com a intenção de apaziguar os conflitos pela via “pacífica” da conquista de posições no Estado burguês. Por isso, é fenômeno histórico, e ainda presente, que muitos movimentos sociais deslocam forças para alcançar cadeiras, como se a representatividade (por exemplo, uma bancada LGBT no congresso) fosse saída plausível. Assim, mesmo que o inciso, que continha o ensino de gênero nas escolas, não fosse retirado do PNE, haveria ainda muito a avançar na aplicação de tal projeto, assim como se dá com a lei 10.639, que inclui o ensino de história e cultura africana na escola pública, que, porém, tem aplicação quase nula.

Cabe mencionar, que por mais necessários que sejam estes avanços, como ensino de gênero e história e cultura africana nas escolas, tal realização encontra limites no próprio sistema capitalista. Vemos o acirramento na precariedade do ensino público, que aumenta o abismo da educação dos ricos com a dos pobres, no qual o fechamento de duas mil salas de aula no ensino médio[4], em 2014 quatro mil escolas rurais foram fechadas[5], além da já conhecida a superlotação de salas, a falta de reconhecimento do trabalho docente e sua super-exploração. Isto nos faz questionar se colocar a escola como o elemento de relações igualitárias na sociedade é possível perante um regime que mercantiliza nossos direitos básicos e tem como base de funcionamento a miséria de muitos para o privilégio de poucos.

As reformas de hoje terão alcance curto (ou mesmo nulo), caso não vislumbremos a superação da nossa miséria do possível que foi criada pelos que se beneficiam de nosso sistema. Uma transformação revolucionária de nossa realidade se faz necessária, unindo as lutas étnico-raciais, de gênero e classista. 

Não podemos esperar a realização de uma sociedade mais justa e igualitária como se fosse uma fatalidade da história. Precisamos transformar as cores do arco-íris do Facebook em luta organizada, levar este debate para a sociedade e, assim, travar nossa disputa.

Precisamos imediatamente levar o debate sobre uma reestruturação curricular do ensino público que inclua o debate de gênero nas escolas, bem como a legalização do casamento homossexual e lésbico e do aborto, como agora se coloca contra a redução da maioridade penal. Precisamos da organização dos setores atingidos bem como uma luta de conjunto que consiga fazer de fato nossa sociedade avançar nesta direção, para além das letras da lei. Colorir a sociedade com as lutas de gênero, de raça e de classe.
--------------------------
[1] - “Entre janeiro de 2008 e abril de 2013, foram 486 mortes, quatro vezes a mais que no México, segundo país com mais casos registrados.” - Brasil lidera número de mortes de travestis e transexuais, aponta ONG - http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-01-29/brasil-lidera-numero-de-mortes-de-travestis-e-transexuais-aponta-ong.html
[2] - http://www.brasilpost.com.br/2014/02/13/assassinatos-gay-brasil_n_4784025.html
[3] - http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-um-estupro-a-cada-4-minutos,1591457 
[4] - http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-02-06/sp-2400-salas-de-aula-foram-fechadas-afirma-sindicato.html 
[5] - http://www.mst.org.br/2015/06/24/mais-de-4-mil-escolas-do-campo-fecham-suas-portas-em-2014.html