terça-feira, 27 de outubro de 2015

Reestruturação da graduação na UNESP: um golpe no ensino público superior

No último dia 29 de setembro o Pró-Reitor de Graduação da UNESP, o Prof. Laurence Duarte Colvara, participou de um debate promovido pelo Centro de Estudos e Práticas Pedagógicas (CENEPP) [1] da UNESP-Bauru, cujo assunto seria a reestruturação dos créditos dos cursos de graduação da UNESP. Esta medida é embasada nos despachos 218/2015 [2] e 308/2015 [3] da Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UNESP, da qual o Prof. Laurence é o presidente. Nos referidos despachos consta um estudo de 2 anos realizado pela CEPE “para reestudar a definição da carga horária frente à legislação da Unesp sobre o artigo 57 da Lei nº 9394/96, de forma a permitir inovações” [4].

Para tal, a proposta da CEPE consiste diminuir em 50% a carga horária de aulas presenciais, definindo que os créditos das disciplinas deverão ser cumpridos da seguinte maneira: 1 hora em sala de aula para cada hora de estudo/preparação de aula/atividade dirigida etc. Este ponto é expresso no trecho do despacho 218/2015:

[...] o Conselho deliberou, por unanimidade, aprovar o relatório apresentado pela comissão, no que se refere à redefinição de crédito, em que o crédito, agora dito generalizado, passa a computar 30 horas de efetivo trabalho discente e docente, e, para guardar correspondência com o crédito tradicional, 15 horas serão aula, considerando a hora-aula como 1 hora (60 minutos) de atividades didática, teórica e/ou prática, envolvendo professor(es) e estudante(s), com interação seja em formato presencial ou sincronizado.
Passaremos agora, para a análise do que significa os termos acima.

Analisando com mais detalhes

O relatório do despacho 218 destaca:

[...] que o crédito tradicional quantifica exclusivamente o montante de 15 horas-aula, e que a Regulamentação do Artigo 57 da LDB editado pela Unesp em 1998, estabelece que o docente despende, a cada hora-aula uma outra para preparação, avaliação e acompanhamento de alunos. Sem confrontar com a conceituação expressa na mencionada Regulamentação explicita-se agora que a aula pode se constituir de preleção (necessariamente presencial ou sincronizada) e atividades supervisionadas pelo professor [...]

Ficou difícil de entender? Não se preocupe, o próprio documento tem um relatório. Seu ponto V é um glossário, vejamos: 

hora-aula - 1 hora (60 min) de atividade didática envolvendo professor(es) e estudante(s), de forma presencial ou sincronizada.
aula presencial - aula que acontece com estudantes e professor(es) em um único ambiente físico.
aula sincronizada - aula que acontece com estudantes e professor(es) não necessariamente em um único ambiente físico, mas simultâneos.
crédito - unidade de quantificação de efetivo trabalho do docente e do discente.
crédito tradicional - unidade composta por 15 horas-aula.
crédito generalizado - unidade composta por 30 horas de atividades discentes, incluídas aulas, atividades supervisionadas e estudo individual. (Pág. 5)
Note que a descrição de “aula sincronizada” é, na verdade, definição para uma modalidade de Ensino à Distancia (EaD). O documento adverte que foi consultada uma equipe de especialistas nas áreas de: Educação a Distância (EaD); European Credit Transfer System (ECTS); Problem Based Learning (PBL) e etc (Pág. 4).

O documento apresenta também uma citação, na qual define como deveria ser uma aula:

Isso não significa que as cargas horárias totais dos cursos [...] precise ser integralizada exclusivamente em atividades teóricas em sala de aula, nem que estas atividades devam ser realizadas obrigatoriamente em períodos de 60 minutos.
Desse modo, mesmo em uma atividade teórica ("sala de aula"), uma IES [Instituições de Ensino Superior] poderá diversificar e flexibilizar suas atividades acadêmico-pedagógicas, distribuindo as horas de trabalho dos estudantes em aulas presenciais, não presenciais e atividades complementares (seminários, palestras, visitas, estudos dirigidos etc). (Pág. 8)

Para ficar ainda mais visível, o documenta traz na página 8 o seguinte quadro da distribuição dos créditos:

Clique na imagem para visualizar


Precarização do ensino.


O que está por detrás do documento é um projeto de precarização do ensino na UNESP, que diminui o conteúdo teórico das disciplinas, secundarizando as aulas e, para completar o cenário, “resolve” o problema da falta de professores colocando-os para ministrar um maior número de disciplinas.

Com a nova organização da distribuição de créditos, os professores serão obrigados a lecionar uma maior quantidade de disciplinas, devido à redução de 50% da aula presencial, terão que preparar mais aulas para disciplinas diferentes, diminuindo a qualidade do ensino.

Além disso, diminuirá o papel do professor como mediador no processo de ensino-aprendizagem do estudante. Aumentando a preponderância do estudo individual e reduzindo as oportunidades de debate coletivo. Este é um grande ataque ao ensino superior público na UNESP que impulsiona a penetração do ensino a distância sem quaisquer debates, respondendo à falta de docentes sem novas contratações.

CONTRA A REESTRUTURAÇÃO DA GRADUAÇÃO!


Não podemos nos enganar, esta reestruturação esvazia a função social da universidade e atende a critérios econômicos estranhos a sua finalidade de socializar o conhecimento. A reestruturação administrativa ataca a atividade fim da universidade e vai contra o ensino público, gratuito e de qualidade para a população pobre e trabalhadora deste país, que paga seus impostos e a financiam.

Isso justamente num momento em que houve a implantação da política de cotas na UNESP [5], o que tem possibilitado um maior acesso da população ao ensino superior público e gratuito.  Este é um projeto que vem em conjunto com os cortes de projetos de extensão voltados à comunidade, no material e bolsas nos cursinhos populares da UNESP, na expulsão de crianças de 4 e 5 anos dos Centros de Convivência Infantil, na insuficiência das políticas de permanência estudantil, entre outros.

É fundamental notar que este processo se impõe silenciosamente, de forma a evitar o debate. Precisamos de uma forte organização para lutar em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, ligando-nos à demanda geral de uma educação de qualidade para todos, que tenha em vista o atual processo de reestruturação do ensino público ensejado pelo governador Geraldo Alckmin.

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Notas:
[4] - Início do despacho 218/2015 da CEPE.


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